Gastos públicos sob pressão: debate expõe falhas nas emendas e risco de colapso fiscal
Com a aproximação das eleições de 2026, especialistas veem uso eleitoral das emendas e cobram limites para evitar desequilíbrio fiscal e má aplicação

Em debate realizado nesta quinta-feira (17) no programa Super Manhã, da Rádio Jornal, especialistas discutiram os desafios da gestão fiscal e da fiscalização das contas públicas.
Com apresentação e mediação da jornalista Natália Ribeiro, o encontro contou com a presença do presidente do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), Valdecir Pascoal; do procurador do Ministério Público de Contas (MPC-PE), Cristiano Pimentel; e do economista Jorge Jatobá, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), doutor em economia e ex-secretário estadual da Fazenda.
O debate abordou temas como o aumento das emendas parlamentares, os riscos fiscais em ano eleitoral e a importância da qualidade do gasto público.
Emendas e orçamento impositivo
O presidente do TCE-PE destacou a evolução do modelo orçamentário brasileiro, com foco no papel das emendas parlamentares. Segundo Pascoal, o avanço do orçamento impositivo e a criação das chamadas “emendas Pix” trouxeram novos desafios para o planejamento governamental.
“O parlamento tem o direito de emendar, mas é fundamental que haja harmonia com o planejamento das políticas públicas”, afirmou.
Para ele, o ideal seria que as emendas estivessem alinhadas com planos estratégicos de áreas como saúde e segurança.
“A ausência de sinergia pode gerar uma alocação irracional de recursos", complementou.
Pascoal também revelou que o TCE está conduzindo uma auditoria solicitada pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) sobre a execução das emendas parlamentares no estado.
“Nosso objetivo é propor melhorias, jogar luz sobre o tema e aprimorar a executabilidade das emendas. O julgamento ainda não foi feito, mas já existe relatório em fase de notificação do Executivo e da Alepe", revelou.
O presidente do TCE ainda destacou que os recursos oriundos de emendas cresceram consideravelmente nos últimos anos, impactando diretamente a governabilidade e a eficiência da gestão pública. Ele defendeu um modelo que preserve o papel do Legislativo, mas que incorpore mecanismos de controle e planejamento integrado.
“Deputado virou vereador federal”
O economista Jorge Jatobá foi enfático ao criticar a forma como as emendas vêm sendo utilizadas, sobretudo por parlamentares da esfera federal.
“O deputado federal hoje se transformou em vereador federal”, disse.
Para ele, esse comportamento gera uma fragmentação orçamentária que compromete o uso racional dos recursos públicos.
“Ele vai à base, atende a demandas específicas de seus eleitores e direciona recursos sem qualquer articulação com o planejamento federal ou estadual. É um antiplanejamento”, afirmou.
Jatobá ressaltou que o crescimento das emendas parlamentares transformou esse instrumento em um problema fiscal grave, afetando inclusive a capacidade de investimento do governo central.
Segundo o economista, o modelo atual favorece a desarticulação entre os entes da federação, fortalece interesses localizados e reduz a efetividade das políticas públicas.
“É uma questão preocupante, e os municípios acabam sendo os mais beneficiados, o que reforça ainda mais a lógica clientelista. Antes, parlamentares buscavam cargos em ministérios para liberar recursos. Hoje, fazem isso diretamente via Congresso", enfatizou.
Riscos eleitorais e fiscalização
Em ano pré-eleitoral, o procurador Cristiano Pimentel alertou para o uso político das emenda. Ele lembrou que, apesar da atuação dos órgãos de controle, a proliferação desse tipo de emenda já motivou investigações da Polícia Federal.
“Tem prefeita de capital subindo em palco com deputado federal para anunciar show de R$ 1 milhão bancado por emenda Pix”, citou.
“O que se vê é um uso cada vez mais discricionário desses recursos. O papel dos tribunais de contas é fazer o diagnóstico, mas a decisão de limitar ou reformular esse modelo é dos poderes eleitos”, complementou.
Qualidade do gasto e controle social
Apesar do cenário desafiador, Valdecir Pascoal destacou o esforço do TCE-PE para fortalecer a transparência e o controle social. Ele citou o portal Tome Conta, que reúne dados de receitas, despesas, licitações e contratos de todo o estado e municípios.
“Nosso foco hoje é avaliar também a qualidade do gasto, não apenas sua legalidade", disse.
Pimentel, por sua vez, acrescentou que a eficiência é um critério cada vez mais relevante, destacando o trabalho dos órgãos de controle.
“Um prefeito pode cumprir a lei, mas gastar mal. Os órgãos de controle estão desenvolvendo métricas para avaliar se as políticas públicas realmente geram resultados", disse.
Jatobá completou apontando que o Brasil ainda carece de ferramentas eficazes de monitoramento, para avaliar índices.
“É preciso medir o impacto das políticas, acompanhar índices como evasão escolar e mortalidade infantil. Eficiência é gastar menos com mais retorno", concluiu.