Taxas de Trump são chantagem diplomática e não vão prosperar, avalia economista Sérgio Buarque
Economista critica ingerência de Trump na política brasileira e aponta possíveis efeitos colaterais nas próprias prateleiras americanas

A ameaça de Donald Trump de impor tarifas contra produtos brasileiros é uma jogada errática e diplomática de chantagem, sem estratégia clara e com potencial devastador para a economia dos dois países, avaliou o economista Sérgio Buarque nesta quinta-feira (10) em entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal.
O economista classificou como "errática e midiática" a postura do presidente americano, que, segundo ele, “usa a chantagem como meio diplomático” e muda de posição a todo instante.
"É assustador que um personagem como esse seja o presidente da maior potência econômica e militar do planeta, que tem o risco de meter o dedo no botão vermelho e disparar uma bomba atômica", disse.
Buarque vê a carta enviada por Trump ao presidente Lula como parte de uma tentativa de ingerência na política interna brasileira, em especial no Judiciário, e classifica o conteúdo como “irresponsável”.
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Segundo ele, a retórica do ex-presidente mistura diversos temas, que vão de de Bolsonaro às big techs, passando pelo avanço do BRICS, e revela o temor dos EUA diante da consolidação da China como potência global.
Apesar disso, Buarque não acredita que a taxação vá prosperar, embora admita que, se implementada, seria “um desastre para a economia brasileira”.
Impacto também nas prateleiras americanas
O professor aponta que a elevação tarifária, caso efetivada, afetaria diretamente produtos como café, suco de laranja e ferro, setores nos quais o Brasil tem forte presença no mercado americano.
Segundo Buarque, haveria “uma grande desorganização na produção” brasileira, com repasses de custos que também chegariam às prateleiras dos Estados Unidos.
“Se trata de importar produtos com 50% a mais no seu valor, o que provocaria aumento de preços exorbitantes para o consumidor americano”, alertou. Ele reconhece que o efeito inflacionário seria limitado, mas relevante em itens específicos.
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Para o economista, essa ameaça não deve ser lida como uma política comercial estruturada, mas como mais uma ação impulsiva de Trump. “Todo dia ele aparece na imprensa mundial inventando alguma coisa. Não parece ter nenhuma estratégia. Ele age de forma errática”, afirmou.
Lula cometeu erros, mas não é o responsável
Questionado sobre a resposta do governo Lula à investida americana, Buarque reconhece que houve erros na condução da política externa, apesar da competência técnica do Itamaraty.
Ele cita a decisão dos EUA de enviar representantes de baixo escalão para negociar como sinal de desprestígio, mas reforça que não se pode atribuir ao governo brasileiro a responsabilidade pelos ataques.
“Lula cometeu erro, mas nada nos permite dizer que a culpa é do governo. É o desmantelamento dessa coisa do Trump de fazer uma chantagem diplomática utilizando tarifas alfandegárias".
Buarque vê a carta como desproporcional em seu conteúdo, especialmente ao fazer defesa explícita de Bolsonaro, criticar o Judiciário e insinuar que o Brasil vive sob regime autoritário. Para ele, trata-se de uma tentativa clara de interferência indevida.
Reciprocidade impossível e o peso do BRICS
A aprovação de uma lei que permite ao Brasil aplicar medidas de reciprocidade não é suficiente para equilibrar o jogo, segundo o economista. “O problema é que o volume dessa taxa alfandegária é tão grande que não tem reciprocidade possível. O Brasil não pode baixar em 50% os produtos americanos que entram aqui, porque o país para”, explicou.
Ele defende que o caminho é "baixar a bola" e insistir na negociação, pois vê a ameaça como uma chantagem sem base concreta.
Na visão de Buarque, o pano de fundo da ação de Trump é o medo do fortalecimento da China e do papel crescente do BRICS no cenário global. Embora considere o bloco importante, o economista alerta que o Brasil não pode se tornar refém desse eixo, sob pena de cometer um “erro ideológico”.
Ao mesmo tempo, critica a avaliação americana de que o avanço chinês se dá exclusivamente por meio do BRICS. “A China já tem a Rota da Seda, faz acordos no mundo inteiro, e em pelo menos 200 países importantes do planeta já é o principal parceiro comercial, muito mais do que os Estados Unidos”, afirmou.
Para ele, os Estados Unidos deixaram de ser uma potência hegemônica unilateral. “Isso ficou para trás desde a queda do Muro de Berlim, e agora, mais ainda".