Derrubada de decreto do IOF é vista como interferência indevida do Congresso no Executivo
Ex-desembargador Francisco Queiroz afirma que deputados tentaram 'emparedar governo' e diz que Executivo não está subordinado ao Legislativo

A recente decisão da Advocacia-Geral da União (AGU) de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a derrubada do decreto presidencial que aumentou a alíquota do IOF gerou reações contundentes no meio jurídico.
Em entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, o ex-desembargador e ex-diretor da Faculdade de Direito do Recife, Francisco Queiroz, classificou a atuação do Congresso como uma "aberração jurídica” e defendeu a constitucionalidade do ato presidencial.
"Isso foi aprovado por razões muito simples. Porque o Congresso, com uma grande maioria conservadora, quer emparedar o governo para que ele só tenha um caminho: reduzir as políticas sociais”, avaliou o jurista nesta quarta-feira (2).
Francisco Queiroz afirmou que a derrubada do decreto que elevava a alíquota do IOF foi motivada por um cálculo político da oposição, com o objetivo de desgastar o Executivo.
Segundo ele, há um movimento de antecipação eleitoral por parte de setores conservadores do Congresso, que querem limitar a capacidade de ação do governo federal.
"Aí tem o discurso de oposição: ‘Tá vendo esse governo que prometeu fazer isso e aquilo outro e tá reduzindo Bolsa Família, tá reduzindo o benefício...’. Isso é uma antecipação da eleição. Eu não tenho dúvida de que este decreto é constitucional”, defendeu.
Ao comentar a ação da AGU, Queiroz classificou como “mais ou menos correta” a estratégia jurídica, mas criticou a formulação dos pedidos. “Ele entrou num processo só com dois pedidos, para considerar constitucional o decreto do governo e inconstitucional o decreto legislativo. Em relação a considerar constitucional o decreto, eu penso que essa conjugação não é bem válida. Essa mistura de duas coisas foi só para fazer política.”
IOF é arrecadatório e regulatório, diz jurista
Questionado sobre a natureza do IOF e o argumento de que se trata de um imposto regulatório, Francisco Queiroz contestou a tese, defendida inclusive pela pós-doutora em Direito Tributário Mary Elbe Queiroz em entrevista ao mesmo programa Passando a Limpo, na última segunda-feira (30).
“Eu conheço e respeito muito Mary Elbe, foi inclusive minha aluna, mas é um equívoco. Se você pegar todos os grandes autores de Direito Tributário, todos dizem que todo tributo é, no mínimo, arrecadatório. Agora, ele pode ser arrecadatório e regulatório, ou só arrecadatório”, afirmou.
Para o jurista, o IOF se enquadra dentro dessa lógica e sua utilização para reforçar o caixa do governo não fere a Constituição.
“Todo imposto tem uma finalidade de induzir as pessoas a seguir no caminho que é mais vantajoso. O fato de o IOF ser aumentado no momento que o governo precisa de mais receita não o torna inconstitucional. Isso é um equívoco grave. Dizer que esse IOF é inconstitucional porque vai servir para cobrir buraco na arrecadação é uma aberração.”
Decreto não depende do Congresso
Ao ser questionado sobre o papel do Congresso na revisão do decreto, Queiroz explicou que o Legislativo não recebeu o texto do Executivo para aprovação, mas sim que tomou a iniciativa de sustá-lo por meio de um decreto legislativo.
“Ele [o presidente] não mandou nada pro Congresso Nacional. O Partido Liberal, que é o maior partido de oposição, tentou barrar o decreto inicialmente na via judicial. Como não pegou liminar na Justiça, regimentou os parlamentares. Aí ele entra com uma medida dizendo que o Congresso tem poder para sustar os atos do Executivo. Mas esse decreto é uma das exceções constitucionais. Esse decreto não está subordinado ao Congresso.”
Segundo o ex-desembargador, a Constituição confere ao Executivo a prerrogativa de legislar sobre alíquotas de tributos como o IOF por meio de decreto, uma prática comum nas últimas décadas.
“Em qualquer país do mundo, a tributação de importação, exportação e a tributação sobre operação financeira é um instrumento de política de governo. Durante os últimos 20 anos, todas as alterações de alíquota do IOF foram feitas por decreto. Algumas foram mais altas do que essa. E o Congresso nunca disse que ele é quem tinha que dar a última palavra.”
Para Queiroz, a tentativa do Congresso de revogar o decreto configura uma “invasão de competência” com motivação política clara.
“Houve uma invasão de competência para para colocar o governo no canto da parede, para mostrar como o único caminho que ele tem de reduzir despesa é essa questão dos programas sociais", finalizou.