"Lula vai dividir a eleição entre ricos e pobres", diz cientista político sobre nova aposta do Planalto
Para Adriano Oliveira, discurso da justiça tributária por parte de Lula marca abandono do Centrão e reposiciona Haddad como nome estratégico para 2026

Em meio ao desgaste na popularidade e a um novo embate institucional com o Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu adotar uma estratégia de confronto direto, dividindo o país entre “ricos e pobres”, colocando o Congresso Nacional à prova, diante da opinião pública. A avaliação é do cientista político Adriano Oliveira, professor da UFPE, durante entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, nesta segunda-feira (1º).
Segundo o analista, a guinada na comunicação do governo é liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que encontrou no discurso da justiça tributária uma oportunidade para reposicionar o Planalto diante da crise política.
“Lula já desistiu do Centrão, já desistiu também de negociar com o Congresso. Vai colocar a sua pauta de esquerda e vai dividir a eleição entre ricos e pobres. Vai tentar ganhar a eleição de maneira apertada. Esta é a visão do presidente Lula e nada tende a mudar”, afirmou Adriano.
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Hugo Motta é "vetor que pode ressuscitar Lula”
De acordo com Adriano Oliveira, o movimento do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), que consolidou a derrubada do decreto do IOF, foi interpretado pelo governo como a chance de retomar protagonismo. A crítica pública de Motta ao Planalto, segundo ele, foi um erro político.
“O presidente da Câmara poderá ser o vetor que irá ressuscitar a popularidade do presidente Lula. [...] Nenhum presidente de um poder pode ir para a rede social e dizer que irá colocar uma pauta em votação sem conversar com o presidente da República”, disse.
A expectativa do Planalto é que o Supremo Tribunal Federal (STF) valide a constitucionalidade da medida, já que o artigo 153 da Constituição dá ao Executivo a prerrogativa de mexer no IOF. Isso poderia, segundo Oliveira, consolidar a narrativa do governo de que “defende os pobres contra os ricos”.
“Justiça tributária” como nova bandeira de Lula e Haddad
Adriano Oliveira detalhou como o governo testou diversas estratégias de comunicação sem sucesso, até encontrar o atual mote fiscal. Segundo ele, Lula tentou primeiro um discurso de “reconstrução do País” e, depois, buscou aproximação com o eleitorado evangélico — nenhuma dessas narrativas teve impacto relevante na popularidade.
“Embora o país esteja com baixo desemprego, inflação controlada e crescimento econômico, a popularidade de Lula não aumentou. Por quê? Primeiro por conta da inflação de alimentos e depois pela chegada de novos eleitores no eleitorado brasileiro, como empreendedores, evangélicos e bolsonaristas, três tipos de eleitores que impedem que a popularidade de Lula aumente”, explicou.
A nova estratégia, no entanto, tem aderência tanto na base petista tradicional quanto entre microempreendedores, que, segundo ele, não seriam afetados por eventual aumento de impostos.
"Haddad verificou a grande oportunidade do governo para tentar recuperar condições de brigar pela reeleição no próximo ano. É trazer de volta, a partir de um discurso da justiça tributária, que o governo Lula defende os pobres, de que o governo Lula quer taxar os ricos, mas o setor produtivo e parte do Congresso Nacional não permite, ou seja, quer continuar com o país desigual", apontou.
“Eles vão buscar a arrecadação a quem paga menos impostos. O Haddad disse: ‘Quero tributar os 140 mil brasileiros que não pagam impostos e quero dar justiça tributária’", complementou.
Governo deve evitar "bola dividida" com o Congresso, que pressiona por emendas
Adriano avaliou os impactos políticos do atual confronto entre Executivo e Legislativo, mas minimizou eventuais efeitos nas eleições de 2026. Para o cientista político, partidos como União Brasil, PP e Republicanos devem se manter neutros e priorizar a formação de bancadas.
“Eles não vão entrar nessa bola dividida. Estarão preocupados em formar bancadas. Se Lula tiver bem no estado, defendem Lula; se for Tarcísio, defendem Tarcísio. O foco será a eleição local e do Senado”, disse.
Ele ainda criticou a tentativa do Congresso de controlar o orçamento do Executivo via emendas parlamentares.
“Deputados têm direito a emendas, mas não podem exigir que todo o orçamento seja disponibilizado a eles, abrindo mão de políticas públicas eficientes”, disse.
Lula ainda competitivo para 2026 apesar de impopularidade em pesquisas
Apesar de pesquisas mostrarem Lula com aprovação inferior a 30%, Oliveira acredita que o presidente chegará competitivo em 2026. Com base em levantamentos qualitativos no Nordeste, ele afirma que o petista ainda é o favorito no confronto direto com Jair Bolsonaro (PL).
“Os eleitores dizem: ‘Lula trabalha mais para os pobres do que Bolsonaro’. E, quando a pergunta é: entre Lula e Bolsonaro, quem você prefere? Lula ainda é o preferido”, disse Adriano.
Com isso, Adriano projeta que a popularidade de Lula poderá subir para a faixa entre 40% e 45%, o que o colocaria no segundo turno das eleições presidenciais.
Adriano também avaliou que a nova guinada fortaleceu politicamente o ministro Fernando Haddad, que hoje teria, segundo ele, a simpatia de parte do mercado financeiro e da imprensa especializada.
“Haddad está acima daquele PT antiquado. Ele defende uma reforma do Estado, justiça tributária, controle de gastos. E o que ele fez agora foi unir o PT em torno disso. O partido entendeu que precisa apoiar essa pauta para chegar forte em 2026", disse.
A entrevista também abordou o avanço do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sobre o eleitorado conservador. Para Adriano, a associação de Tarcisio com Bolsonaro pode ser um erro estratégico.
“Tarcísio insiste no bolsonarismo, e essa insistência vai favorecer o presidente Lula”, afirmou.
“Ele poderia se apresentar como um governador que está acima dessa polarização, mas não fez isso”, complementou.
O cientista político ainda comentou a informação de que Tarcísio teria sinalizado a empresários que concederia indulto a Bolsonaro, caso eleito presidente. Segundo ele, essa fala “será explorada pela campanha do PT” e enfraquece a tentativa do governador de se apresentar como uma alternativa ao bolsonarismo.