Brasil ainda enfrenta desafios para garantir acesso universal à saúde bucal pelo SUS
Mesmo com a maior rede de dentistas do mundo, desigualdades regionais e falta de valorização aos profissionais dificultam o acesso ao atendimento

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde Bucal - SB Brasil 2023, somente 5,2% dos adultos entre 35 e 44 anos não têm cáries. Nesse ínterim, apenas 45% da população têm acesso a atendimentos odontológicos. Apesar de avanços, ainda há grandes barreiras ao acesso e à qualidade dos serviços em saúde bucal oferecidos pelo SUS.
Durante o debate da Rádio Jornal desta segunda-feira (4), especialistas destacaram que a saúde bucal deve ser vista como parte fundamental da saúde geral do indivíduo.
“Tudo que se refere à boca acaba refletindo na saúde geral. Uma perda dentária pode gerar problemas de mastigação, articulação, fala e até causar infecções graves”, afirmou Cláudio Miaki, presidente do Conselho Federal de Odontologia (CFO).
Casos extremos não são incomuns. Miaki citou um atleta que sofria com dores recorrentes no joelho e descobriu que a origem do problema era um canal maltratado. Após o tratamento odontológico, a lesão desapareceu. “No Brasil, separou-se a medicina da odontologia, mas o corpo é um só”, reforçou o presidente do CFO.
Desigualdade no atendimento odontológico
Apesar de o Brasil contar com cerca de 440 mil cirurgiões-dentistas, a distribuição dos profissionais e o acesso ao serviço ainda são desiguais.
“Pernambuco tem 15 mil dentistas ativos para 8 milhões de habitantes, superando a proporção recomendada pela OMS. Mas, ainda assim, a população sofre com a falta de acesso”, explicou Eduardo Vasconcelos, presidente do Conselho Regional de Odontologia de Pernambuco (CRO-PE).
Segundo ele, um dos maiores obstáculos é a ausência de concursos públicos. “Sessenta e quatro municípios de Pernambuco não têm nenhum dentista concursado. O atendimento é feito por contratos precários, o que prejudica a continuidade e a qualidade do serviço”, denunciou.
Além disso, profissionais buscam locais onde são mais valorizados. “Capitais e municípios com mais recursos, como Petrolina e Caruaru, pagam melhor. Regiões como a Mata Sul acabam abandonadas por falta de atratividade”, alertou.
Piso salarial e valorização profissional
A baixa remuneração também é um entrave. Para Edson Hilan, coordenador de saúde bucal do Ministério da Saúde, a valorização dos profissionais passa não apenas pelo salário, mas também por formação contínua, estrutura de trabalho e equipamentos adequados.
“Estamos investindo em cadeiras odontológicas, unidades móveis e formação. É preciso garantir um ambiente de qualidade para os profissionais e, assim, para os pacientes”, afirmou.
Segundo a coordenadora de saúde bucal de Petrolina, Roberta Teixeira, mais de 50% da rede já é composta por profissionais concursados. “Equipamos quase todas as unidades com raio-X e ultrassom odontológico. Isso melhora o atendimento e dá mais segurança ao profissional”, disse.
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Prevenção é o melhor caminho
Os convidados reforçaram a importância da prevenção como política pública eficaz e econômica. “As pessoas só procuram o dentista quando sentem dor. Mas, quando a dor aparece, o problema já está avançado”, observou Vasconcelos.
Para mudar esse cenário, programas educativos e visitas regulares ao dentista são fundamentais. “A prevenção começa na infância. Em Petrolina, fazemos ações nas escolas com atividades lúdicas e tratamento básico com autorização dos pais. Temos crianças com zero cáries em nossas unidades”, compartilhou Roberta.
Além disso, o Ministério da Saúde aposta em indicadores de desempenho que recompensam profissionais que atuam na prevenção. “Hoje, quanto mais o dentista extrai, menos ele recebe. Isso estimula a preservação dos dentes”, afirmou Hilan.
Políticas públicas
O Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que tem uma política pública de saúde bucal universal: o Brasil Sorridente. Após anos de estagnação, o programa voltou a receber investimentos em 2023, com aumento de quase 200% no orçamento.
“Estamos distribuindo equipamentos e unidades móveis para garantir o atendimento inclusive em áreas rurais. Só em Pernambuco serão 32 unidades. Isso evita deslocamentos longos e melhora o acesso”, destacou Hilan.
Mesmo com avanços, ainda há desafios. “Temos dentistas altamente capacitados e resultados excelentes em algumas regiões, mas o Brasil não pode depender apenas de ilhas de excelência. É preciso ampliar o acesso e garantir que todos tenham direito à reabilitação oral”, concluiu Miaki.