Saúde na Região Metropolitana do Recife: desafios, saneamento e a necessidade de integração no SUS

No Giro Metropolitano deste sábado (12) Natalia Ribeiro recebeu o médico sanitarista Tiago Feitosa para debater a saúde pública no Grande Recife

Publicado em 12/07/2025 às 11:00
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O programa Giro Metropolitano, uma produção do Sistema Jornal do Comércio de Comunicação, dedicou-se a debater a saúde pública na Região Metropolitana do Recife (RMR), seus 14 municípios, desafios, oportunidades e áreas prioritárias. Para aprofundar o tema, o programa recebeu o Dr. Tiago Feitosa de Oliveira, médico sanitarista e professor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Confira o programa no Youtube:

 

Saneamento básico: o Calcanhar de Aquiles da RMR

O saneamento básico, que engloba o abastecimento de água e a destinação e tratamento de esgoto, tem apresentado um avanço muito lento em todo o Brasil. A região Nordeste é uma das que possui o menor índice de esgotamento sanitário. Dentro da RMR, Jaboatão dos Guararapes e Paulista figuram entre os 20 piores municípios do Brasil em saneamento, especialmente no esgotamento sanitário. Nesses municípios, menos da metade da população tem acesso à coleta pública de esgoto. Em Jaboatão, 20% da população ainda não tem fornecimento de água algum, sem contar o fornecimento intermitente, que é comum em toda a região metropolitana, inclusive no Recife.

No Recife, 45% da população não tem esgotamento sanitário. Embora o Recife tenha avançado no abastecimento de água, com cerca de 95% das pessoas tendo acesso a água potável via fornecimento público, a oferta é frequentemente intermitente. Os morros, em particular, sofrem muito com isso, levando as pessoas a acumularem água para consumo, higiene e outras necessidades. Essa prática de acúmulo de água pode, por sua vez, provocar a proliferação de mosquitos, especialmente o Aedes aegypti, vetor das arboviroses.

Doenças e impactos na qualidade de vida

A falta de saneamento básico contribui para uma série imensa de doenças, resultando na superlotação da rede de saúde. Entre as doenças comuns estão as diarreias, que são muito frequentes na infância e podem apresentar riscos graves para crianças e idosos. Doenças potencialmente graves como a leptospirose e a hepatite A também são associadas à falta de saneamento, assim como as já mencionadas arboviroses. Além disso, doenças como dermatites e conjuntivite podem ser agravadas ou causadas pela precariedade sanitária.

Todas essas enfermidades acabam “desaguando nos serviços de urgência”, contribuindo significativamente para a superlotação. O saneamento básico, incluindo o fornecimento adequado de água potável e a coleta de esgoto, previne doenças, reduz a mortalidade infantil e melhora a qualidade de vida. Dr. Thiago Feitosa de Oliveira ressalta que pessoas que vivem sem saneamento adequado, com esgoto a céu aberto ou perto de córregos e canais, sofrem também com prejuízos no sono, excesso de mosquitos (muriçocas) e mau cheiro, o que afeta diretamente sua qualidade de vida. O saneamento é considerado um direito fundamental, e a RMR precisa avançar muito nessa área.

Atividade econômica e saneamento: o caso de Ipojuca

A questão do saneamento também se cruza com a atividade econômica, como por exemplo Ipojuca, município que abriga Porto de Galinhas, um importante polo turístico. Apesar da relevância econômica e da necessidade de geração de renda, o saneamento básico em Ipojuca está em condições precárias. Dr. Thiago Feitosa enfatiza que toda atividade econômica deve vir acompanhada da infraestrutura necessária para acontecer de forma segura. Episódios recentes de doenças transmitidas em banhos de mar e rios próximos a áreas turísticas demonstram os riscos.

Resíduos gerados por atividades econômicas — seja lixo, esgoto de prédios, restaurantes ou indústrias — precisam ter destinação adequada para não prejudicar a população local. O despejo inadequado de esgoto no mar, por exemplo, torna áreas impróprias para banho. O risco direto para o ser humano inclui infecções de pele, conjuntivite e diarreias. Além disso, pode haver contato com minerais ou rejeitos industriais em áreas próximas a indústrias e portos, que comercializam produtos potencialmente tóxicos. Pessoas afetadas por essas condições acabam sobrecarregando a rede de saúde, em geral, a rede pública.

Desintegração do SUS na RMR: um desafio crônico

O Sistema Único de Saúde (SUS), o sistema nacional de saúde no Brasil, é gerenciado pelos três níveis de governo: município, estado e união, com a gestão prioritariamente municipal. No entanto, em Pernambuco, a realidade é um setor de saúde muito estadualizado, com grandes estruturas hospitalares e ambulatoriais estaduais atendendo grande parte da população. O grande problema dessa configuração é a "certa desintegração de um sistema que deveria ser único".


A quantidade de serviços existentes muitas vezes não corresponde à resolutividade dos problemas de saúde das pessoas porque o sistema não está integrado. Existe um predomínio das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e dos grandes hospitais. No entanto, a grande maioria das doenças atuais são crônicas, como hipertensão, diabetes e problemas respiratórios crônicos, que não são resolvidas em UPAs. Elas exigem serviços ambulatoriais, seja na unidade de saúde da família ou em unidades especializadas. A falta de coordenação do cuidado leva as pessoas a procurarem serviços de forma desordenada. Por exemplo, hipertensão e diabetes não são tratadas de forma eficaz em UPAs; o atendimento de urgência é paliativo e não resolve a condição crônica.

O que falta na região metropolitana é uma coordenação do SUS sob a responsabilidade do governo do estado, que integre os municípios, potencializando seus recursos e definindo os fluxos de atendimento, inclusive para as unidades estaduais. Isso permitiria maior resolutividade no âmbito municipal e um uso mais preciso da rede estadual, contribuindo para diminuir a superlotação.

A sobrecarga por traumas e violências

Outra causa significativa de superlotação dos hospitais estaduais são os traumas, acidentes e violências, que são uma questão metropolitana. Os acidentes de moto têm piorado muito nos últimos tempos, especialmente com a popularização dos serviços de delivery, aplicativos de transporte e Uber Moto. Embora se reconheça a necessidade de geração de renda, essa atividade precisa ser realizada de forma segura. Dr. Feitosa menciona o exemplo de São Paulo, que não liberou o transporte de passageiros por moto, apenas de encomendas, porque as estatísticas mostram que o passageiro da moto tem acidentes muito mais letais e graves.

Assim, a desintegração no tratamento de doenças crônicas, a sobrecarga por acidentes e violências, e a persistência de doenças infecciosas e transmissíveis ligadas ao saneamento, são os três conjuntos de problemas de saúde que precisam ser abordados de forma coordenada entre os municípios, com liderança da gestão estadual.

O caminho para a equalização: fortalecendo a atenção básica

Para equalizar o sistema de saúde, a melhor forma de organização reside na Atenção Básica em Saúde, que pode resolver 80% dos problemas de saúde (na infância, gravidez, em adultos e idosos) próximo da casa das pessoas. Isso é feito através de equipes de saúde da família que acompanham uma quantidade limitada de pessoas ao longo da vida. O desafio inicial é que cada município tem a obrigação de montar e cobrir toda a sua cidade com equipes de atenção primária/básica, sendo a Estratégia de Saúde da Família a melhor forma de fazer isso. Uma equipe de saúde da família deve cobrir cerca de 3.000 pessoas, mas muitos municípios têm equipes cobrindo 6.000 ou até 10.000 pessoas, o que impede uma assistência adequada.

Além do atendimento, a atenção básica deve promover saúde e fornecer informações. Dr. Feitosa ressalta que saúde também é responsabilidade familiar e individual, envolvendo hábitos saudáveis, atividade física, sono adequado. No entanto, a educação e informação em saúde têm sido negligenciadas, com poucas campanhas públicas incentivando hábitos saudáveis ou vacinação. Quando o município cumpre seu dever de casa na atenção básica, o restante do sistema se torna menos complicado.

Acesso a especialidades e exames: gargalos persistentes

Com uma atenção básica forte, é possível delimitar os casos que necessitam de serviços especializados, internações ou atendimentos de urgência. Os municípios de maior porte na RMR (Recife, Jaboatão, Olinda, Paulista) deveriam ter maior capacidade de resolução interna em áreas especializadas, como cardiologia, oftalmologia e nefrologia, para lidar com as doenças crônicas mais prevalentes. Existe uma quantidade de médicos especialistas na RMR, e é possível contratá-los se os municípios oferecerem planos de cargos e remuneração adequados, além de boas condições de trabalho.

Na assistência hospitalar, é fundamental uma grande integração entre os municípios e a rede estadual, que possui grandes hospitais. O fluxo de pacientes deve ser melhor combinado e regulado pelo estado e municípios, com consultas e internações programadas sendo marcadas através de sistemas informatizados, como ocorre na saúde privada. Exemplos de regiões metropolitanas com sistemas de saúde integrados e bom atendimento incluem Belo Horizonte e Campinas no Brasil, e até João Pessoa, uma capital menor, já conseguiu resolver essa questão melhor do que o Recife.

Sobre o Conecta Recife, embora seja útil para algumas necessidades da população, como agendamento de vacinas, Dr. Feitosa argumenta que o contato direto com as equipes de saúde da família e agentes comunitários de saúde na comunidade é muito mais efetivo do que qualquer aplicativo. Ele aponta que o advento do Conecta Recife não resolveu muitos problemas em Recife, que ainda é campeão em sífilis congênita e mortalidade materna, com indicadores muito ruins. A estratégia principal, segundo o médico, deve ser a proximidade com as pessoas, obras estruturadoras em saneamento, e a disponibilização de informações para uma vida saudável, além de viabilizar o acesso aos serviços por meio de fluxos bem estabelecidos.

Ainda há falta de serviços especializados e recursos complementares na RMR. Muitos lugares têm cobertura de atenção básica, mas um hemograma pode demorar 3 meses para ter resultado, e exames de pré-natal podem chegar após o nascimento do bebê. A medicina atual não se faz apenas com a consulta, necessitando de exames laboratoriais e de imagem em quantidade adequada e no tempo certo para a resolução dos problemas. Se não houver para onde encaminhar os casos graves e se a rede não estiver conversando de forma eficaz e rápida, os pacientes acabam indo para as emergências, contribuindo para a superlotação dos grandes hospitais.

*Texto produzido com auxílio de IA com base em entrevista autoral da Rádio Jornal e supervisão de jornalistas profissionais.

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