Presidente da ANJ defende ação do Cade contra Google e alerta para riscos da inteligência artificial

Marcelo Rech diz que uso de conteúdo jornalístico por plataformas sem remuneração ameaça a sustentabilidade da imprensa e favorece desinformação

Publicado em 12/06/2025 às 11:18
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O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, considerou positiva a suspensão do julgamento no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre o Google, após pedido de vista. A decisão interrompeu o voto do relator, que havia recomendado o arquivamento do inquérito que apura possível abuso de posição dominante pela plataforma no uso de conteúdo jornalístico sem remuneração.

O processo foi suspenso na última quarta-feira (11) após o conselheiro Diogo Thomson solicitar vista para analisar as informações por mais tempo. Para Rech, o adiamento evita o encerramento precipitado da investigação.

Nesta quinta-feira (12), em entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, Rech afirmou que o uso não remunerado de conteúdo jornalístico por plataformas digitais compromete diretamente a sustentabilidade dos veículos de comunicação.

“No fundo é a sustentabilidade da imprensa, dos veículos de comunicação e principalmente do jornalismo profissional. O jornalismo tem compromisso de buscar a verdade, é muito essencial para a democracia, para a estabilidade política, para a estabilidade econômica”, declarou.

Segundo ele, conteúdos jornalísticos estão sendo utilizados por plataformas digitais “sem qualquer compensação aos produtores desse conteúdo”, o que tem levado jornais, inclusive centenários, a enfrentar enormes dificuldades. “Esta circunstância está levando a um agravamento da desinformação”, afirmou.

Marcelo Rech criticou o voto do relator do processo no Cade, Gustavo Augusto, que sugeriu arquivamento do inquérito por entender que os veículos já se beneficiam financeiramente ao serem recomendados nas buscas. Rech rebateu com dados: “Hoje em dia, o Google detém no Brasil cerca de 95% do mercado de buscas, é claramente uma posição monopolista".

Para ele, não há possibilidade real de os veículos optarem por sair do Google: “Olha lá, se vocês não quiserem ser indexados, basta vocês fazerem o chamado opt-out. Qual é o negócio no Brasil que poderia ter uma opção de sair, por exemplo, do fornecimento de energia elétrica? Não há essa opção de saída para qualquer veículo sobreviver", exemplificou.

Ele ainda acusou a empresa de definir critérios que favorecem seus próprios algoritmos, o que traria prejuízos à atividade empresarial jornalística.

Decisão do Cade pode impactar o futuro da informação com avanço da IA

Questionado sobre os impactos futuros de uma possível decisão pelo arquivamento, Rech chamou atenção para o uso de conteúdo jornalístico por ferramentas de inteligência artificial.

“Nós consideramos que a decisão de pedir vista, de não encerrar o julgamento, [foi] positiva. O mundo está evoluindo para inteligência artificial, para esse modelo do ChatGPT, do próprio Gemini, do Google. [...] Eles entraram na casa de todo mundo, levaram todos os móveis, talheres, tapetes, quadros e utilizaram isso para treinar os modelos de inteligência artificial”, comparou.

Para Rech, isso representa uma ameaça grave à economia criativa: “Isto é muito grave, porque isso tem de levar a uma devastação — esta é a palavra — uma devastação na produção jornalística, na produção intelectual, na produção de quem vive do talento criativo".

O presidente da ANJ afirmou que a entidade defende a remuneração pelo uso de conteúdo de terceiros pelas plataformas. “Eu defendo já há muito tempo, a ANJ defende há muito tempo, que tem que haver uma remuneração, obviamente, pelo uso de conteúdo, da produção de terceiros, pelo talento de terceiros".

Contudo, ele ponderou que negociar caso a caso não é eficaz. “São milhões, incontáveis casos, e isso levaria, como já acontecue no Canadá, ao Google, à Meta, a dona do Facebook e do Instagram, a retirar ainda mais a visibilidade de conteúdos jornalísticos profissionais".

Como alternativa, sugeriu a criação de uma taxa sobre as grandes plataformas. “Eu chamo isso de taxa de poluição social, porque elas produzem como efeito colateral uma poluição social, que é esse discurso de ódio, desinformação”, disse.

A verba arrecadada seria direcionada a um fundo de combate à desinformação e redistribuída com base em critérios objetivos, como o número de jornalistas contratados por empresa.

Marco legal da IA precisa reconhecer direito de autor, diz Rech

Marcelo Rech também destacou a importância do projeto de lei que estabelece o marco legal da inteligência artificial no Brasil, já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara. “Tem que prever ali sim o reconhecimento dos direitos de autor”, afirmou.

Segundo ele, mesmo que os valores e mecanismos de repasse ainda precisem ser debatidos, é essencial que haja reconhecimento legal da propriedade intelectual dos conteúdos usados por modelos de IA.

“O mundo todo está girando em torno da IA, alguns setores mais, outros setores menos, mas todo mundo está girando em torno”, concluiu.

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