Divisão de empréstimo do governo na Alepe é criticada por possível falta de legalidade e prejuízo ao planejamento

Decisão da Assembleia Legislativa de dividir metade de empréstimo entre municípios não tem base legal, aponta o economista Jorge Jatobá

Publicado em 08/05/2025 às 10:08 | Atualizado em 08/05/2025 às 11:13
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Uma polêmica envolvendo a destinação de um empréstimo de R$ 1,5 bilhão solicitado pelo Governo de Pernambuco intensificou a tensão entre os poderes Executivo e Legislativo do estado. A Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), por meio da Comissão de Finanças, alterou a proposta original do governo e decidiu redirecionar metade dos recursos — R$ 750 milhões — diretamente para os 184 municípios pernambucanos, sem apresentar critérios técnicos ou projetos definidos para a aplicação.

Segundo o doutor em economia Jorge Jatobá, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco, a proposta carece de base legal e fere os princípios do planejamento público. “A questão fundamental é: qual é o fundamento legal para fazer isso? Porque o empréstimo é dado por uma instituição de crédito sob certas condições e para uma destinação específica. Você não pode pedir empréstimo para fazer qualquer coisa”, disse Jatobá em entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal.

Para o economista, o redirecionamento dos recursos fere princípios básicos da gestão pública. “Os bancos internacionais ou nacionais ou bancos de desenvolvimento não concedem empréstimo para você distribuir ou verter recursos entre prefeituras ou de qualquer outra maneira. Esse é um requisito legal. Me parece que não há fundamento legal para esse tipo de iniciativa".

Jatobá também questiona a fragmentação dos recursos, que, segundo ele, compromete o planejamento estadual. No projeto apresentado na comissão de Finanças, o valor de R$ 750 milhões seria distribuído igualitariamente para os 184 municípios, resultando em cerca de R$ 4 milhões para cada.

"Você vai fragmentar recursos por todo o estado. Isso é antiplanejamento. É uma forma de você simplesmente distribuir recursos sem um critério, sem um fundamento, sem um diagnóstico, sem um projeto. E, obviamente, vai faltar transparência", declarou.

Para o ex-secretário, distribuir recursos de forma pulverizada entre os municípios, sem critérios técnicos, representa uma ameaça à eficácia da política pública. “É a negação do planejamento. Um Estado pobre como Pernambuco não pode gastar recursos dessa forma. O dinheiro tem que ser aplicado com eficiência e eficácia, em projetos bem estruturados. Você não pode tratar desiguais de forma igual. Se fosse uma distribuição legal e legítima, teria que seguir critérios como população e valor adicionado fiscal, como faz o Fundo de Participação dos Municípios”, explicou.

Disputa pela destinação de orçamentos

O economista avalia que a tentativa de reconfigurar a destinação do empréstimo reflete um movimento mais amplo de enfraquecimento do Executivo frente ao Legislativo. “Há uma apropriação crescente do orçamento por parte dos parlamentos, tanto em nível federal quanto estadual. Isso reduz a capacidade de investimento do governo e compromete a gestão pública.”

No cenário pernambucano, a medida de Coelho foi vista como uma reposta da oposição ao atraso no pagamento das emendas parlamentares impositivas de 2024, que são destinadas aos municípios. O governo já sinalizou que vai pagar os valores até 31 de dezembro deste ano, mas a demora na liberação dos recursos vem desagradando os parlamentares.

Ainda segundo Jatobá, a proposta pode ser barrada tanto pelo Tribunal de Contas quanto pela própria instituição financiadora. “O financiador aprova o projeto com base em critérios técnicos. Se a finalidade for alterada, o empréstimo pode não ser concedido. E, no fim, esse é um recurso público — será pago por todos nós.”

A proposta agora será analisada pela Comissão de Justiça da Alepe, onde a oposição também é maioria. Para Jatobá, é necessário que prevaleça o rigor técnico e jurídico. “Falta clareza e lucidez nessa iniciativa. O próprio sistema, seja o Judiciário, o TCE ou o agente financeiro, deve impor limites.”

Assista ao Passando a Limpo

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