Do Oscar ao bolo de rolo: Marcelo Rubens Paiva fala sobre livros e relação com Pernambuco

Escritor e autor de 'Ainda Estou Aqui' está no Recife para participar do 11º Festival RioMar de Literatura, em que será o homenageado da edição

Publicado em 24/04/2025 às 11:21 | Atualizado em 24/04/2025 às 11:22
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Escritor, jornalista e dramaturgo, Marcelo Rubens Paiva é o homenageado da 11ª edição do Festival RioMar de Literatura, que acontece nesta quarta-feira (24), em Recife. Autor de obras marcantes como Feliz Ano Velho e Ainda Estou Aqui — este último adaptado para o cinema e premiado com um Oscar —, ele falou com exclusividade ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, sobre o impacto da sua trajetória pessoal na literatura, a repercussão mundial do filme e sua relação com o público jovem.

Como você recebeu essa consagração internacional do filme baseado no seu livro Ainda Estou Aqui? Foi uma consagração ou um desabafo familiar?

Eu acho que são as duas coisas. Uma consagração surpreendente — não esperávamos essa dimensão. Sabíamos da qualidade do filme, do elenco, da direção do Walter Salles, mas a aceitação global foi emocionante. E também é um desabafo, uma forma de expor algo que muitas famílias viveram sob regimes autoritários.

A primeira vez que assisti ao filme numa grande tela foi em Veneza, e foi um impacto. A reação do público — jornalistas, especialistas, gente da indústria — foi emocionante. Primeiro pensei que a conexão fosse pela origem italiana da minha mãe, mas logo vimos que a identificação era universal. Depois vieram Toronto, Nova York, França, América Latina.

E como você se viu retratado no filme? A emoção era mais pessoal ou literária?

Eu acho que o mais importante foi a história da minha família. É comovente, a história da minha família, a história de uma representante feminina dos movimentos democráticos, que lutou a vida inteira por direitos indígenas, direitos das pessoas dos direitos humanos. Uma guerreira, mãe de cinco filhos e olha aí que importante que é isso, entendeu?

Eu acho que o fundamental foi saber que a minha mãe comove, que ela tá sendo honrada aí no mundo todo, reconhecida como uma uma referência de uma pessoa pacífica, de uma pessoa agregadora no mundo em que há tanta violência, tanta desigualdade e tanta brutalidade entre as pessoas.

Vivemos tempos de autoritarismo crescente. A recepção do filme lhe deu esperança?

Olha, bateu o sentimento de missão cumprida, porque a literatura para mim sempre foi algo como 'preciso mostrar alguma coisa para as pessoas'. O [livro] Feliz Ano Velho era mostrar a vida de um deficiente e de uma pessoa querendo ser integrado à sociedade. Com este livro, Ainda Estou aqui, mostrar como foi o período da ditadura, que não é nada aconselhável voltar àquele tempo e que estava sendo glorificado por alguns movimentos sociais de extrema direita, que queriam militar, que até tentaram um golpe, né? Um golpe militar, é, falavam em AI-5, homenageavam torturadores. O papel da literatura é esse, é você informar, levar o debate para as pessoas.

O filme evita cenas gráficas de tortura, mesmo sendo um tema central. Por quê?

Foi a primeira observação que eu fiz pro Walter Salles quando a gente fez a primeira reunião, em 2017. Falei para ele assim: 'Não pode ter cena de tortura', porque afasta as pessoas. Porque a gente não tá falando sobre tortura, a gente tá falando sobre um país, sobre uma a mulher, sobre a luta das mulheres. A gente não quer afastar as pessoas do cinema. A gente não quer criar inimizades, vingança. Sentimentos que nunca foram parte da minha família.

É curioso que depois que o filme foi lançado, muita gente voltou a falar 'Meu marido foi torturado, meu tio foi desaparecido, eu tenho um irmão que desapareceu no Araguaia'. E aqui particularmente em Pernambuco foi trágico, né? Porque nós tivemos aqui o governo do Arraes, que foi preso, levado para Ilha Grande, teve o Julião que foi arrastado por um jipe, humilhado na cidade, teve o massacre aqui dos jovens das VPR. O Recife era um era um polo de debate, de luta muito intenso durante a ditadura. Uma cidade sempre muito ligada com cidade de um estado, com movimentos progressistas.

Você tem uma produção literária extensa: são mais de 16 livros e 11 peças. É inspiração ou ofício?

São as duas coisas juntas. Eu tenho uma história de vida muito particular, assim, coisas acontecendo comigo que não aconteceram com outras pessoas. Agora mesmo eu tô lançando um livro novo, 'O Novo Agora', que é quando eu virei pai com 50 anos. Exatamente agora, durante a pandemia, isolamento social, durante todo esse ódio que tá corroendo o país, essa polarização. Um período em que meus livros começaram a ser questionados, período de muito radicalismo e com a minha mãe nos últimos dias do Alzheimer, como eu lidava com as minhas crianças numa cadeira de rodas e como minha mãe lidava com eles no Alzheimer.

E ao mesmo tempo encarando uma separação e sendo pai sozinho. Eu acho que isso, quem falou para mim: 'Escreva sobre isso', foi o meu editor, o Luiz Soares. 

E como você se comunica com os jovens leitores, numa era de internet e linguagem fragmentada?

Eu acho que isso é natural na minha obra, fazer uma linguagem um pouco mais coloquial, simples, sem perder a ternura, buscando acrescentar algo e não colocar as pessoas para baixo. Sempre tentando mostrar um drama e uma solução. É algo que me foi natural desde o início da minha carreira, assim.

Você falou de Recife com muito carinho...

Adoro Pernambuco, quem não ama Pernambuco? Terra do melhor cinema brasileiro, terra de Chico Science, da Nação Zumbi, um monte de amigos que moram por aqui e de uma grande música música, grande cultura, grande literatura. Já comi bolo de rolo. A primeira coisa que eu faço quando chego aqui é comer bolo de rolo. Mas o que eu sinto falta aqui é fruta pão, que eu não acho mais. Antigamente quando eu vinha para Recife, nos anos 80, 90, o café da manhã era fruta pão, todo mundo se orgulhava de comer fruta pão e manteiga. Hoje em dia não tem mais isso, agora é pãozinho francês, croissant. O pernambucano ficou besta [risos].

Assista à entrevista na íntegra no Passando a Limpo

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