"Pura perfumaria": ex-secretário critica PEC da Segurança e diz que proposta ignora o combate às facções
Para coronel José Vicente, proposta apresentada por Lewandowski não apresenta planejamento estratégico para combater as principais causas da violência

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, encaminhou ao Congresso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, que tem o objetivo de tornar mais eficiente o combate às organizações criminosas e desburocratizar procedimentos.
Entre os principais pontos da proposta estão a elevação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) ao status constitucional, a ampliação das atribuições da Polícia Federal, que passaria a atuar contra crimes ambientais, milícias e organizações criminosas, e a mudança de nome e função da Polícia Rodoviária Federal, que se tornaria Polícia Viária Federal, com atuação também em hidrovias e ferrovias.
A PEC também inclui as guardas municipais no rol dos órgãos de segurança pública, reforça a integração entre os entes federativos e propõe a criação de corregedorias e ouvidorias autônomas, além de garantir recursos permanentes por meio de fundos específicos e ampliar a participação da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Pública.
Segundo Lewandowski, a iniciativa busca dar à segurança pública a mesma prioridade que saúde e educação. "Fizemos várias reformas estruturantes, e a mais importante foi a tributária. Agora, tanto o Executivo quanto o Legislativo devem tratar desse tema da segurança pública", afirmou.
No entanto, para o coronel José Vicente, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, a PEC "não muda muita coisa" na segurança pública do País. Ele conversou sobre o tema no programa Passando a Limpo, desta terça-feira (9), na Rádio Jornal.
“Pura perfumaria”
Apesar de elogiar alguns pontos da proposta, como tornar constitucional o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário Nacional, coronel José Vicente afirmou que a PEC “não vai ao cerne do problema”.
“Essa PEC poderia até ser mais interessante se, pelo menos, o Governo Federal, através do seu ministro da Justiça, o Lewandowski, tivesse um bom plano para a Segurança Pública”, afirmou, criticando os pontos da proposta, por não tratarem de problemas centrais, como o combate a facções criminosas.
“Nós estamos com cerca de 80 facções espalhadas pelo país, fazendo terror nas pequenas, grandes e médias cidades. E, por enquanto, nada. Essa PEC não vai ter o condão milagroso de resolver todos os problemas que já deveriam estar devidamente tratados no âmbito federal”, declarou.
Em vez disso, ele diz que a proposta se concentra em ações que são “pura perfumaria”, como mudar o nome da Polícia Rodoviária Federal e incumbir mais responsabilidades à Polícia Federal, sem destinar mais efetivos que deem suporte à atuação dos agentes.
“A Polícia Federal vai poder fazer aquilo que já faz, investigar crimes ambientais e agora com acréscimo também investigar milícias. Ela não consegue nem cuidar do grande tráfico de drogas do país e vai entrar nesse negócio das milícias, que existe basicamente no Rio de Janeiro, pouquinha coisa fora dali”, afirmou.
José Vicente também criticou a postura do governo Lula sobre segurança pública, afirmando que o tema não é tratado como prioridade e que a PEC seria colocada neste momento com “interesse eleitoral”, tendo em vista a demanda da população por mais segurança.
“O governo Lula nunca teve muito interesse nessa área da Segurança Pública, preferindo debitar o problema aos governos estaduais, que estão cobrando do Governo Federal, não diretrizes do que seja obrigado a cumprir, estão cobrando que ele faça parte dele.”
Tráfico de drogas e impunidade
O ex-secretário Nacional de Segurança Pública apontou que a PEC falha ao não apresentar “medidas básicas” para melhorar a segurança das cidades, como combater o tráfico de drogas e de armas e acabar com a “sensação de impunidade” que, segundo ele, reforça a ocorrência de crimes no cotidiano da população.
“O governo federal deve fazer sua parte, mesmo sem PEC, de não deixar ou limitar o máximo possível a entrada de drogas, armas, munições e contrabando pelos estados e pelas cidades. Esse é o trabalho que já está lá da Polícia Federal, as Forças Armadas têm incumbências também nas fronteiras, e isso não está sendo feito”, criticou.
Ele complementou, afirmando que a impunidade leva indivíduos a cometerem crimes reiteradamente: “O indivíduo passou numa catraca na porta da delegacia, foi preso em flagrante, foi levado lá para o juízo, que mandou ele responder o processo em liberdade, ele continuou roubando mais 60 ou 80 vezes. Essa é uma questão muito séria, a questão da impunidade. Nós temos um sistema que não intimida o suficiente para ter uma contenção da violência.”
Para o coronel José Vicente, os problemas de segurança pública ocorrem não apenas por falta de investimentos, mas principalmente por falta de uma gestão eficiente, o que, segundo ele, não é trabalhado na PEC apresentada pelo Ministro da Justiça.
‘‘O problema não é tanto falta de dinheiro, mas é como gastar bem, é a total deficiência da gestão. [...] Existem R$ 2,8 bilhões de reais que foram repassados para os estados, que não gastaram no prazo que foi dado. Então o nosso problema realmente é gastar bem. E o governo federal podia dar uma mão para os estados gastarem bem”, concluiu.